Topo do Mundo / Fundo do Poço
Como dizer o que eu sinto sem que
As palavras sufoquem a voz do instinto?
Como expressar minha verdade
Pra cada um que me escuta em cada canto distante
Se é cada vez mais gritante a surdez que nos fez
E nos faz cada vez mais mesquinhos
Seguindo caminhos distintos
Estranhos lutando por prêmios estranhos
Perdendo a noção do tamanho da vida
Aceitando a descida pro fundo do poço onde a placa diz
"Topo do mundo" e já ninguém duvida
E chegando no fundo do poço da vida de merda
Escolhida uma celebridade celebra sua meta atingida
Com números altos que a fazem pensar mesmo
Que aquele fundo do poço é o topo do mundo
E se sente um alpinista no monte Everest
O melhor dos melhores, the best of the best
No spot mais top da merda da vida
E ao fechar os seus olhos num breve momento
Experimenta um pensamento suicida, mas... calma!
Como entender o que aflige sua alma
Se as palmas agora enlouquecem o recinto?
Olhares atentos, sedentos
Babando como cães de caça famintos
E a celebridade sem graça disfarça e desfila
Com classe sua nobre carcaça
De raro animal prestes a ser extinto
Que exala um perfume tão rico que é podre de rico
No brilho e na bula da bela embalagem
Enquanto termina a viagem
Que a leva até o palco do topo do mundo
Que é o fundo do poço às avessas
Em seu pensamento suicida procura a saída
Entre as mãos que lhe afagam a cabeça
E observa a pistola que vai na cintura
Do seu guarda-costas à frente
Um gatilho mental traz a brisa da infância
E ela agora é criança e precisa brincar
Procurar um esconderijo, esconder-se pra sempre
Num canto que ninguém pudesse encontrar
E começam a gritar no recinto lotado
E ela lembra de quando seu pai ia ver o futebol
O barulho, a bebida, a vitória suada
A derrota sofrida, o calor do lençol
O silêncio do quarto e seu pai ressonando em apneia
As mudanças mais bruscas da vida
As lembranças mais brutas
Que achava já estarem esquecidas
Enquanto ela avança no meio da plateia
Relembra a pior despedida
E a dor da lembrança confunde as ideias
As luzes avisam que é hora do show
Transmitido ao vivo não pode ter falhas
Milhões de pessoas anseiam
Por aquele canto que tanto sentimento espalha
Que a celebridade celebra uma espécie de missa
Profana que ameniza o tédio
Produz um veneno anti-monotonia de luz e alegria
Mas não se beneficia do próprio remédio
Parece alergia, mas a glote não fecha pra voz trabalhar
Como saber de verdade se alguém da plateia
Quer saber de verdade o que aquela criança escondida
No fundo da bela embalagem
De celebridade poderia querer nos contar?
Ele tem que cantar, a platéia pergunta
Porque ela não canta e parece que pensa em chorar
Mas chorar nem pensar, não pagamos pra vê-la chorar
Nós choramos pra vê-la dançar, nós dançamos pra vê-la pular
Nós pulamos pra vê-la brilhar
Nós brindamos ao vê-la e brindamos à ela
E printamos a tela pra compartilhar
Cadê ela, cadê ela, começa, começa
E no fundo do palco montado no topo do mundo
Que é o fundo do poço às avessas a celebridade tropeça
Amparada pelo segurança ela
Então se levanta e parece que cansa
Ela fecha os seus olhos e canta
Ela tenta, mas a voz não sai da garganta
A platéia se espanta
E não quer que ela caia, só quer que ela cante
Mas ela tropeça de novo e começa uma vaia e parece vingança
Como pode chegar lá no topo
E decepcionar todo mundo e fazer essa lambança?
Uma lágrima desce e ela sobe
E se abraça nas costas do seu segurança
Ela fecha os seus olhos e chora
Ela agora parece criança
E no escuro do choro se lembra de quando ela ainda na infância
Pensava que estava no fundo do poço numa vida simples
Sem luxo sem palco e sem brilho
E só então se dá conta da sua ignorância
O tal fundo do poço era o topo afinal
E ela só descobriu no final
Pouco antes de achar na cintura do guarda
A pistola e puxar o gatilho
A plateia calada as gargantas travadas pra ouvir o estampido
A surpresa estampada na cara e o alívio
A pistola travada, o detalhe prudente que muda
O desfecho do enredo
Uma bala engasgada no pente
A plateia em suspense
A pistola suspensa no braço agitado
O final abortado e a celebridade nasceu novamente!
Ela agora não sente mais medo
Finalmente ignora a cobrança
Já dispensa o topo do mundo
Já não pensa no fundo do poço ou na morte precoce
Como há alguns segundos
Ela ainda respira e agradece por isso
Ela para e respira mais fundo
Ela ainda respira e repara
Que apesar de tudo ela inspira esperança
A plateia suspira
A plateia só espera
A plateia em silêncio
E ela agora parece que dança
compositores: Gabriel o Pensador - DJ Caique
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